sábado, 13 de junho de 2009

A criação da cidade como obra artística





Por Nathana Tila Alencar Siqueira

As preocupações em relação à cidade têm levado os estudiosos das mais diferentes áreas a pensarem a cidade em suas múltiplas facetas. O historiador Lewis Mumford, por exemplo, faz uma análise, onde afirmando que “a cidade favorece a arte, é a própria arte” ele a eleva a um produto artístico. Sendo seus elementos, na sua composição e funcionamento, testemunhas de diferentes fases históricas e componentes que tornam a cidade um corpo enorme de acúmulos de formações culturais, a cidade também se apresenta como resultado de evoluções estéticas que dão a ela uma variedade de formas especifica que resultam numa estética própria.
E é nesse âmbito, onde a cidade é colocada como arte, que surge a idéia da cidade ideal, que seria concebida como uma única obra de arte, por um único artista. Porém é mais que certo que a cidade ideal vai sempre existir para a cidade real como o mundo do pensamento existe para o mundo dos fatos. A começar pela idéia de unidade que se espera da cidade ideal. Afinal, com as constantes evoluções e transformações, sejam estas planejadas ou espontâneas, que ocorrem todo o tempo, esperar que seja produto de um único artista é irracional. A cidade ideal funciona então como um parâmetro para que seja possível medir os problemas da cidade real, que pode ser construída como obra de arte, porém mutável.
O caso de Amsterdam, por exemplo, foram construídos canais como estrutura defensiva, os quais caracterizaram a cidade conforme se construía mais com diferentes objetivos, como para o transporte de importações e exportações. Esses sucessivos semicírculos deram ao centro da cidade um layout particular belíssimo. É importante ressaltar aqui uma das características da cidade real: antes de considerar as edificações em relação às categorias estéticas, é necessária considerações às técnicas que podem torná-las possíveis. Afinal, a preocupação inicial foi com a forma da cidade, sua estrutura, e ao que se esperava e exigia dela em uma situação especifica.
Mas essas técnicas também influenciam na estética particular de cada cidade. A configuração dos canais não só permitem que nos situemos no centro da cidade, como ainda indicam a passagem do tempo, como anéis no tronco de uma árvore. As construções no entorno também seguem uma rítmica, no estilo e conseqüentemente nos materiais utilizados. Surgem características singulares como os barcos-residências, que funcionaram como moradias substitutas numa época de drástica falta de moradias. Algumas pessoas condenam este hábito local, mas não compreendem como esta variedade informal e em constante mudança contribui para a atmosfera vivaz da cidade, especialmente nos canais, onde a aparência geral é dominada por uma arquitetura formal e dignificada.
A construção do urbano é, então, produto de fatos e eventos históricos, sejam eles provocados pelo homem ou não. Os canais de Amsterdam sofreram diversas modificações permanentes nas décadas de 50 e 60, quando os problemas de trânsito assumiram proporções gigantescas na Holanda, sendo produzidos canais radiais que felizmente não adulteraram esta configuração de Amsterdam. Há também de considerar as interferências na estética da cidade. Com as estações mudando, muda também a paisagem e o olhar das pessoas na paisagem. No verão os canais ganham efeitos espaciais completamente diferentes dos obtidos no inverno, com vegetação colorida que participa da delimitação do urbano, enquanto que no inverno, com as árvores nuas, a delimitação do espaço urbano fica quase gráfica. Sem falar na dramática mudança de aparência que ocorre quando os canais congelam.
Amsterdam, por sua conformação formal possui um grande valor histórico. Preocupou-se em manter até mesmo instituições bancárias e o comércio no mesmo estilo arquitetônico que já havia quando se construiu os canais. Essa não, pelo menos por completa, modernização da cidade faz com que ela adquira um valor na consciência dos nossos contemporâneos. A cultura moderna deve sempre valorizar essas estruturas históricas como memória, pois elas funcionam como instrumento cientifico e didático para a formação de uma cultura figurativa ou do “pensamento visual”, citado por Arheim.

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