terça-feira, 19 de maio de 2009

POR TRÁS DA ESTAÇÃO FERROVIÁRIA





por Flávio Fernandes Vasco

Falar em evolução é sempre pensar adiante, é conhecer ou ter-se idéia do ponto de partida, da jornada percorrida e as possibilidades a serem seguidas. Isto se aplica às cidades, uma vez que estas são o produto de manifestações humanas individuais e coletivas. Logo, não há como mencionar evolução dos fatos urbanos sem analisar, sem contextualizar, sem considerar as causas históricas, como diz Lefebvre: “Enunciamos um objeto virtual, a sociedade urbana, ou seja, um objeto possível, do qual teremos que mostrar o nascimento e o desenvolvimento relacionando-os a um processo e a uma práxis (uma ação prática)”.
Daí, a dizer que as cidades se transformam e se adaptam conforme o desenrolar de seus acontecimentos históricos. Estes fatos, de alguma forma, modificam a maneira como as pessoas se relacionam entre si, com a natureza e com o meio em que vivem. Podemos dar como exemplo a Revolução industrial iniciada no século XVIII que veio alterar a situação anterior, modificando e transformando a cidade mercantil, que também contém a cidade política em sua constituição. Trata-se de uma marcha ascendente. Fatos concretos marcam, inserem e invertem valores, além de estabelecerem novas relações dos indivíduos com os diversos componentes da cidade.
Dentro desta linha de pensamento e considerando as idéias de Aldo Rossi sobre os fatos primários constituintes da estrutura da cidade, há de se inserir a estação ferroviária de Goiânia dentro deste contexto. É fato que se trata de um dos edifícios mais imponentes da característica art déco original de Goiânia. Neste cenário, ela configura um ponto importante na história iconográfica da cidade. Construída tardia e estrategicamente dentro do plano concebido da cidade, a estação adquire ponto focal no ir e vir, no transporte coletivo e de cargas e, ao mesmo tempo, como meio de comunicação.
A estação surge no traçado urbano de Goiânia como elemento primário, pois a partir dela se configura toda uma região geograficamente, além de marcar o limite norte do plano original. Podemos considerar ainda que a construção de uma estação ferroviária numa cidade recém-inaugurada representava o desejo da inovação e modernização da região. Vale dizer que a escolha do sítio da nova capital prezava pela proximidade da malha ferroviária.
Inicialmente concebida para ser terminal ferroviário, a estação não perdura por mais de 20 anos nesta função, uma vez que as políticas do país primaram em favorecer o transporte rodoviário. Ora, qual seria a função de uma estação ferroviária para Goiânia? Sem função determinada, ela adquire função de restaurante, centro de artesanato, sede de banda e atualmente configura como centro cultural. Mas não há atividades de música, teatro ou qualquer manifestação cultural. Em verdade, a estação se encontra praticamente abandonada no sentido de uma função estabelecida. Qual seria a intenção do arquiteto ao conceber a estação? Ele havia previsto estas mudanças de finalidade e uso? Como e por quê um prédio funcional se torna um monumento? Quais as formas de usufruir de prédios como a estação?
As transformações no modo de vida da cidade, as relações regionais e mais atualmente os acontecimentos globais muito interferem nas relações existentes dentro das cidades. Os valores de comércio, de indústria, os próprios valores humanos são modificados e aos poucos estas impressões são percebidas na imagem das cidades. A cidade está inserida num processo de constante reformulação de espaços e da imagem como um todo. Entre os traços, os símbolos, as intenções, há muitos acontecimentos, muitas transformações. Assim considerando, os prédios, as ruas, os elementos estruturais da cidade vão se readequando e reorganizando dentro deste dinamismo.
A estação ferroviária se situa em posição geográfica privilegiada tanto considerando o plano da cidade como pela sua presença absoluta numa área aberta, que sofre interferências em seu entorno pelas relações comerciais da região. A volumetria e a plástica do edifício de linhas art déco transferem-lhe um valor monumental, marcado profundamente pela história do lugar, pelas transformações da política, da cultura e da própria sociedade.
O que ocorre, por muitas vezes, é o esquecimento de valores sociais, políticos e históricos. Se cultura é estabelecer as relações de um povo com um determinado lugar, de um povo com um determinado meio de expressão e as formas como se organizam, comunicam, manifestam ou relacionam, se faz necessário estabelecer maneiras de resgatar e preservar a memória de um lugar, de uma cidade.
A estação ferroviária merece consideração pela importância que a obra exerceu na cidade como ponto principiante, como cenário de acontecimentos cotidianos, como elemento participante da história da cidade e como elemento monumental, como parte da paisagem da cidade, da transformação de uma cidade que emergia do papel, do traçado do arquiteto. Planejar é dar partido, é possibilitar algumas direções, mas não é, de fato, impor. A estação se modificou, se adaptou, resistiu ao longo do tempo e está lá para ser apropriada, desvendada. Necessário se faz conhecer o passado para que, no presente, possamos elaborar um futuro melhor.

Um comentário:

  1. Arquitetar também é pensar, e isso vc fez e faz com perfeição. Seja nesse artigo, seja no transcurso de todo seu intelecto.
    Nós te amamos e admiramos muito!!!

    suas maiores fãs, que torcem por vc.....

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